(Gonzalo Orquín)
Ícaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...
Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
domingo, 17 de janeiro de 2016
Saudade
(imagem daqui)
Saudade
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Saudade
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Magoa-me, a saudade, todos os dias.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Em vão te procuro
(Flickr - Photo Sharing)
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
Procuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
Anúncio
(Fabio Selvatici)
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Procura-se especialista em implosão de almas sem causar danos corporais.
Zona: Portugal Continental Empresa: Particular
Data: 17/12/2015 Categoria: Serviços Técnicos
Motivo: Alma em péssimo estado Pagamento: À cabeça
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Pain
(Bing Lk)
To The God Of Pain
Unwilling priestess in thy cruel fane,
Long hast thou held me, pitiless god of Pain,
Bound to thy worship by reluctant vows,
My tired breast girt with suffering, and my brows
Anointed with perpetual weariness.
Long have I borne thy service, through the stress
Of rigorous years, sad days and slumberless nights,
Performing thine inexorable rites.
For thy dark altars, balm nor milk nor rice,
But mine own soul thou'st ta'en for sacrifice:
All the rich honey of my youth's desire,
And all the sweet oils from my crushed life drawn,
And all my flower-like dreams and gem-like fire
Of hopes up-leaping like the light of dawn.
I have no more to give, all that was mine
Is laid, a wrested tribute, at thy shrine;
Let me depart, for my whole soul is wrung,
And all my cheerless orisons are sung;
Let me depart, with faint limbs let me creep
To some dim shade and sink me down to sleep.
To The God Of Pain
Unwilling priestess in thy cruel fane,
Long hast thou held me, pitiless god of Pain,
Bound to thy worship by reluctant vows,
My tired breast girt with suffering, and my brows
Anointed with perpetual weariness.
Long have I borne thy service, through the stress
Of rigorous years, sad days and slumberless nights,
Performing thine inexorable rites.
For thy dark altars, balm nor milk nor rice,
But mine own soul thou'st ta'en for sacrifice:
All the rich honey of my youth's desire,
And all the sweet oils from my crushed life drawn,
And all my flower-like dreams and gem-like fire
Of hopes up-leaping like the light of dawn.
I have no more to give, all that was mine
Is laid, a wrested tribute, at thy shrine;
Let me depart, for my whole soul is wrung,
And all my cheerless orisons are sung;
Let me depart, with faint limbs let me creep
To some dim shade and sink me down to sleep.
Sarojini Naidu
domingo, 6 de dezembro de 2015
domingo, 15 de novembro de 2015
Dor
(Egon Schiele)
Doem-me os dedos de tanto inventar o teu corpo.
Dói-me o corpo de tanto inventar os teus dedos.
Doem-me os dedos de tanto inventar o teu corpo.
Dói-me o corpo de tanto inventar os teus dedos.
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