Quanto tempo há-de o tempo fazer passar para que haja tempo de não mais lembrar?
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Rio de desconsolo
(Lauren Adams)
Ser de río sin peces, esto he sido.
Y revestida voy de espuma y hielo.
Ahogado y roto llevo todo el cielo
Y el árbol se me entrega malherido.
A dos orillas del dolor uncido
Va mi caudal a un mar de desconsuelo.
La garza de su estero es alto vuelo
Y adiós y breve sol desvanecido.
Para morir sin canto, ciego, avanza
Mordido de vacío y de añoranza.
Ay, pero a veces hondo y sosegado
Se detiene bajo una sombra pura.
Se detiene y recibe la hermosura
Con un leve temblor maravillado.
Ser de río sin peces, esto he sido.
Y revestida voy de espuma y hielo.
Ahogado y roto llevo todo el cielo
Y el árbol se me entrega malherido.
A dos orillas del dolor uncido
Va mi caudal a un mar de desconsuelo.
La garza de su estero es alto vuelo
Y adiós y breve sol desvanecido.
Para morir sin canto, ciego, avanza
Mordido de vacío y de añoranza.
Ay, pero a veces hondo y sosegado
Se detiene bajo una sombra pura.
Se detiene y recibe la hermosura
Con un leve temblor maravillado.
Rosario Castellanos
sexta-feira, 15 de julho de 2016
quinta-feira, 30 de junho de 2016
Um mar de saudade
(Gastón Castelló)
A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matéria vibrátil e nostálgica
que não consigo tocar sem receio,
porque queima os dedos,
porque fere os lábios,
porque dilacera os olhos.
E não me venham dizer que é inocente,
passiva e benigna porque não posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem,
crianças a brincarem nos passeios,
amantes ocultando-se nas sebes,
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que não prendem pássaros nem peixes,
das que têm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipócrita se dissesse
que esta saudade não me vem à boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta, e contudo
cresce em mim como um distúrbio da paixão.
José Jorge Letria, in "A Metade Iluminada e Outros Poemas"
sábado, 21 de maio de 2016
Não chorarás
( Eugeny Kozhevniko)
Se eu morrer amanhã, talvez não saibas.
Não receberás um telefonema, um sms, um email.
Não te abaterás de dor, não chorarás.
Se eu morrer amanhã, desaparecerei, nada mais.
Se eu morrer amanhã, talvez não saibas.
Não receberás um telefonema, um sms, um email.
Não te abaterás de dor, não chorarás.
Se eu morrer amanhã, desaparecerei, nada mais.
sexta-feira, 13 de maio de 2016
quinta-feira, 12 de maio de 2016
quinta-feira, 28 de abril de 2016
domingo, 24 de abril de 2016
"Se ao menos esta dor sangrasse"
(Eugene Delacroix)
O Grito
Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos
se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse
se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer
se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse
Renata Pallottini, in 'A Faca e a Pedra'
O Grito
Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos
se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse
se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer
se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse
Renata Pallottini, in 'A Faca e a Pedra'
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Queda
(Paula Rego)
A Queda
E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.
Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de ouro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesouro,
Morro à mingua, de excesso.
Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.
Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
. . . . . . . . . . . . . . .
Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...
Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'
domingo, 10 de abril de 2016
Vermelho-sangue
(Katia Chausheva)
Rasgava-se-lhe a alma e o sangue brotava, vivo, manchando a paisagem do seu sonho.
domingo, 3 de abril de 2016
quarta-feira, 30 de março de 2016
quarta-feira, 23 de março de 2016
sábado, 13 de fevereiro de 2016
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
Chuva
(Agnieszka Borkowska)
Diz-me das palavras que te brotam do coração.
Diz-me da chuva que bate na tua janela levando as que brotam do meu.
Diz-me das palavras que te brotam do coração.
Diz-me da chuva que bate na tua janela levando as que brotam do meu.
Estar só
(Edvard Munch)
Estar Só é
Estar no Íntimo do Mundo
Por vezes cada objecto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo
António Ramos Rosa, in "Poemas Inéditos"
terça-feira, 26 de janeiro de 2016
Presença
(Gisele Lubsen)
Sinto o teu toque sem o calor da polpa dos teus dedos. Sinto o teu toque, ainda que não estejas.
Sinto o teu toque sem o calor da polpa dos teus dedos. Sinto o teu toque, ainda que não estejas.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
A amputação das asas
(Gonzalo Orquín)
Ícaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...
Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
Ícaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...
Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
domingo, 17 de janeiro de 2016
Saudade
(imagem daqui)
Saudade
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Saudade
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Magoa-me, a saudade, todos os dias.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Em vão te procuro
(Flickr - Photo Sharing)
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
Procuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
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