quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Em vão te procuro

(Flickr - Photo Sharing)


Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

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(Fabio Selvatici)

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Procura-se especialista em implosão de almas sem causar danos corporais.

Zona: Portugal Continental                                           Empresa: Particular
Data: 17/12/2015                                                          Categoria: Serviços Técnicos
Motivo: Alma em péssimo estado                                Pagamento: À cabeça



segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Pain

(Bing Lk)

To The God Of Pain

Unwilling priestess in thy cruel fane,
Long hast thou held me, pitiless god of Pain,
Bound to thy worship by reluctant vows,
My tired breast girt with suffering, and my brows
Anointed with perpetual weariness.
Long have I borne thy service, through the stress
Of rigorous years, sad days and slumberless nights,
Performing thine inexorable rites.

For thy dark altars, balm nor milk nor rice,
But mine own soul thou'st ta'en for sacrifice:

All the rich honey of my youth's desire,
And all the sweet oils from my crushed life drawn,
And all my flower-like dreams and gem-like fire
Of hopes up-leaping like the light of dawn.


I have no more to give, all that was mine
Is laid, a wrested tribute, at thy shrine;
Let me depart, for my whole soul is wrung,
And all my cheerless orisons are sung;
Let me depart, with faint limbs let me creep
To some dim shade and sink me down to sleep.

Sarojini Naidu

domingo, 15 de novembro de 2015

Dor

(Egon Schiele)

Doem-me os dedos de tanto inventar o teu corpo.
Dói-me o corpo de tanto inventar os teus dedos.

domingo, 27 de setembro de 2015

sábado, 19 de setembro de 2015

Vazio

(Dorota Gorecka)

O corpo, vazio da alma, arrefece e morre, ainda que continue a fazer a vida do costume.